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segunda-feira, 5 de abril de 2010

CONAE 2010 ou CONGRESSO DE MILÃO 2010

Desabafo...


Fico feliz pelas diversas conquistas apontadas e sem dúvida necessárias aos dias de hoje, no entanto, sinceramente, quanto às questões da educação dos surdos e o respeito à sua diversidade linguística, tivemos um retrocesso.
É quase o CONGRESSO DE MILÃO, a revanche...
Infelizmente, as pessoas que apoiam a inclusão do surdo desde tenra idade, anunciam seu desconhecimento das questões linguísticas que de fato, envolvem a educação do surdo, creio que inclusive desconheçam o sujeito surdo.
Infelizmente também, a maioria das pessoas que tratam a inclusão do surdo de forma tão radical e irrestrita, está decretando sua exclusão a médio e longo prazo. Ficam alijados do exercício de sua cidadania, do direito ao trabalho, alcançando muitas vezes na idade adulta, sub-empregos se não tiverem por trás uma família atuante e engajada. Não falo sem sustentação. Atuo na educação de surdos desde 1986. Tive a oportunidade de dar aulas para jovens e adultos surdos, que contaram suas histórias de vida, histórias de falta de informação, pois a língua de acesso aos saberes da humanidade que lhes fora oferecida, era inacessível. Retornam à escola, depois de anos, no entanto, gratos pelo professor que lhes ministra aulas em língua acessível, língua que lhe dê significado.


As linguagens e línguas criam fundos estruturantes no qual o homem é capaz de se expressar. [...] Novos sentidos vão podendo ser atribuídos às coisas e estes vão se tornando passíveis de serem comunicados, ampliados e transformados.

Para Merleau-Ponty, cada povo, assim como cada homem, tem a maleabilidade de adquirir um modo de atribuir sentido às coisas. Cada língua emerge de uma forma de direcionamento ao mundo que vai oferecendo aos seus integrantes um fundo comum, que também orienta seu olhar ao mundo. Essa forma de “ver” e “lidar” com o “ao redor” não pode ser tomada, entretanto, como aprisionadora, pois é, antes, o solo do qual o homem precisa para germinar, mas que se dá na temporalidade e dentro de sua própria individualidade. Cada pessoa irá destacar-se como um ser único ao usar a língua ou línguas das quais tenha se apropriado, não podendo esquecer-se de que estas são vivas, estando em constante mutação em meio à existência. ( Rocha ,1997, p. 104 - Joel Martins... um seminário avançado em fenomenologia)


Não defendo educação especial para surdos, pois a educação deve ser uma prática transformadora, especial por potencializar a autonomia. Especial é cada um de nós: surdos, ouvintes, cadeirantes, negros, gays, mulheres, pobres, superdotados, disléxicos, "nem isto" ou "aquilo"... mas, cada ser, em sua essência única.


Acredito que a alegação de "evitar a segregação" é novamente mascarar o preconceito à diferença linguística, é não aceitar que inclusão é dar a todos as mesmas oportunidades, considerando-se as diferenças.


O respeito à diversidade linguística das comunidades indígenas nos parece fácil, já que eles possuem um território próprio. Não os encontramos no supermercado, no cinema ou no shopping tentando se comunicar conosco, que desconhecemos sua língua. Não nos provoca nenhum desconforto, nem nos impõe aprender sua língua.


Os surdos estão em toda parte, em todo o território e por mais se que queira negar a língua de sinais, ela é a língua que ele aprende naturalmente se exposto a ela naturalmente, no encontro com seus pares linguísticos. Foi assim que aprendi a minha língua, de forma natural. Frequentei vários anos de bancos escolares e ainda hoje aos 47 anos, me deparo com conflitos e dúvidas sobre minha língua, e não se esqueça de que ela nunca me foi negada.


A língua oral, ele pode aprender a duras penas e anos de dedicação, e mesmo assim, nos causar desconforto.
Parece me que o argumento de "evitar a segregação" é um camuflagem. É novamente a história obrigando o surdo, neste universo da inclusão à toda prova, que aprenda a língua oral majoritária.


Gostaria de compartilhar uma frase do filósofo Vilém Flusser sobre a língua:

[...] a língua tal como se desenrola dentro da nossa mente, formando e governando todos os nossos pensamentos. Surgirá a suspeita, e mais que mera suspeita, da identidade entre língua e pensamentos. [...] No íntimo sentimos que somos possuídos por ela, que não somos nós que a formulamos, mas que é ela que nos formula. ( 2004, p. 35 e 37- Língua e Realidade).

Sei que muitos não entenderão minha tristeza, mas espero imensamente, que minhas palavras possam ser fluídas como água, que penetra o solo e germina a semente sem ser vista, até que um dia, surge na terra, o broto, ansioso por se tornar árvore.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Débora, td bem???

Estou na reta final do Curso de Letras, e ultimamente tenho navegado bastante a procura de inspiração e embasamento teórico que me auxilie tecer as informações que pesquiso aqui e acolá.
Algumas ondas me fizeram aportar em seu blog, e confesso que seu desabafo foi fonte inspiradora para o desfecho do trabalho que eu deveria postar no Fórum Avaliativo de Libras.

Reescrevo aqui a Conclusão do meu trabalho:

“A MESMA MÃO QUE CALA, É A MESMA QUE PODE SE FAZER OUVIR, E QUE PODE OUVIR O SILÊNCIO DOS GESTOS” (Janaina Desidério do Prado, 2010)

Talvez esta poderia ter sido a fala de Gallaudet diante das discussões do CONGRESSO DE MILÃO, que foram feitas em debates calorosos.

“CONGRESSO DE MILÃO DE 1880 VERSUS CONAE 2010”

Se pudéssemos ouvir as vozes que ecoam do passado, e que se calam nas entrelinhas dos documentos históricos, na certa teríamos condições de tecer os pensamentos soltos e traduzi-los em palavras, para que o mundo atual pudesse ouvir o que ainda haveria de ser dito por muitas personalidades, como Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851).
Imagine se Gallaudet , que aprendeu ouvir o silêncio dos gestos, houvesse descoberto um meio de fazer sua voz ecoar na eternidade.Com certeza, não a calaria diante de algumas das decisões tomadas durante a Conferência Nacional da Educação (CONAE ) de 2010, assim como a tornou corajosa e destemida ao se opor aos argumentos apresentados em favor do Oralismo, no Congresso de Milão de 1880.
Fazendo uso do desabafo contido nas palavras de Débora Caetano Kober - Coordenadora Pedagógica da Escola para Crianças Surdas Rio Branco (Cotia), tomo a liberdade de emprestá-las a Thomas Hopkins Gallaudet, pois acredito que estas seriam também as dele.

Assim acrescento o seu desabafo, acrescentando que Gallaudet, de forma poética, foi designado co-autor.


Bjsssssss e muito obrigada!!!!