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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Aprender com as Diferenças: Não basta saber Libras para ser intérprete

PUBLICADO EM PLANETA EDUCAÇÃO

Estamos presenciando, na atualidade, frequentes discussões sobre os processos de inclusão social. A sociedade, de modo geral, reconhece que, no passado, não deu efetivas condições de ensino bem como oportunidades de trabalho, além do adequado atendimento às pessoas com deficiência. Recentemente, como resultado de grandes lutas políticas, das próprias comunidades e de pessoas envolvidas com essa questão, assistimos à aplicação de legislações que defendem os direitos das pessoas com deficiência.
Com o advento da Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, está garantida, em seu Capítulo VII, da Acessibilidade nos sistemas de comunicação e sinalização, a presença dos profissionais Intérpretes de Libras e dos Braillistas em espaços públicos e/ou privados, em que esteja uma pessoa surda e/ou uma pessoa cega, conforme se verifica nos seguintes artigos:
Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. (grifo nosso)
Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em Braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação. (grifo nosso)
Além desta, temos a Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece como meio legal de comunicação e expressão, dos surdos, a Língua Brasileira de Sinas LIBRAS, cuja regulamentação é feita pelo Decreto Nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Essa lei garantiu, ainda, a obrigatoriedade de inclusão da disciplina de Libras na formação acadêmica de pedagogos, fonoaudiólogos e de professores, nos cursos de licenciatura. Da mesma forma, com a Portaria Nº 2.678/02, o MEC aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional.
Sem dúvida, trata-se de importantes ganhos sociais. Pelo menos em parte, estamos bem amparados pelas leis, pois sabemos que ainda há diversas questões a serem discutidas no âmbito das políticas públicas. Então cabe a nós que acreditamos na importância desse profissional de inclusão refletirmos sobre essa formação. Será o bastante saber Libras ou conhecer o código Braille para ser esse agente de inclusão social?
Acreditamos que não! Além da língua, no caso de Libras, e além do código, no caso do Braille, é necessário conhecer a cultura dessas comunidades, como se relacionam e percebem o ambiente em que vivem, seu histórico de inclusão social, a imposição do bilinguismo, entre outras especificidades que identificam tantas outras classes sociais.
É importante ressaltar que um mediador de processos comunicativos tem consigo a imensa responsabilidade de intervir nessa tradução, com o compromisso ético de interpretar corretamente a mensagem a ser veiculada por ambas as partes, numa interlocução. As pessoas surdas e as pessoas cegas confiam plenamente nesse profissional, pois ele garante a defesa de seu direito à cidadania, a ser atendido num balcão de um aeroporto, a hospedar-se num hotel, a ser compreendido numa consulta médica e/ou odontológica, a ter acesso ao conhecimento em sua própria língua e/ou código, entre outras situações.
E será que esse profissional está apto para exercer esse importante papel social? Conhecemos pessoas importantes que já atuam como intérpretes e que vêm desempenhando muito bem essa função. São pioneiras e, certamente, abriram os caminhos para a profissionalização a que assistimos hoje. Muitos deles continuaram seus estudos e hoje são professores que atuam na formação de novos agentes multiplicadores. No entanto, a demanda é crescente e a obrigatoriedade das leis impulsionou a urgência da formação desse profissional. Então começam a surgir formações e capacitações “relâmpago”, sem uma completa qualificação que lhe garanta o exercício pleno dessa função. Sendo assim é designado a esse agente, formado às pressas, em cursos de 30 a 60h, a tarefa de exercer o papel de “intérprete”!
Não se discute aqui se uma formação X é melhor que a outra! Mas certamente sabemos que uma coisa é dar um conhecimento sobre Libras e sobre o Braille; outra coisa é formar o intérprete de Libras e o Brailista. A difusão da Libras e do código Braille é de extrema importância e muito contribui para a inserção da pessoas surdas e das pessoas cegas. Para uma completa inclusão social do surdo, por exemplo, é necessário que ele seja bilíngue; em outras palavras, lhe é imposto que, para ter acesso ao conhecimento socialmente construído, ele aprenda a língua portuguesa, que, na verdade, é sua segunda língua. Então se nos dispomos a aprender a Libras, estamos respeitando seu direito de acesso ao conhecimento em sua própria língua e contribuindo para sua inserção social e respeito aos seus direitos.
A discussão aqui está em torno da formação do profissional intérprete. Hoje temos como grande centro irradiador dessa formação o estado de Santa Catarina, que tem a Profa Ronice Muller como ícone nacional. Lá já existe o curso de Licenciatura e Bacharelado em Letras, presencial e a distância, que tem o objetivo de formar professores e tradutores-intérpretes em Libras. Esse Estado tornou-se um centro de pesquisas científicas que muito tem contribuído para ampliarmos nossos conhecimentos sobre a língua de sinais brasileira, e para indicar caminhos para uma adequada formação acadêmica. A partir daí, assistimos, com satisfação, à abertura de diversos cursos similares pelo Brasil. Além da graduação, há diversas pós graduações lato sensu nessa área, presenciais e a distância; três delas, inclusive, em Belo Horizonte.
O Decreto Nº 5626, conforme já indicado, que regulamenta a referida Lei Nº 10.436 e o artigo 18 da Lei Nº 10.098, é claro na distinção da formação do instrutor de Libras e do tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa. Em seu Capítulo V, artigo 17, orienta que a formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.
Em Minas, já há a oferta dessa formação específica desde 2006, em Belo Horizonte, e, há um ano, em São Paulo, Campinas; todos os dois cursos, na modalidade tecnólogo, na faixa de duração de 02 anos e meio, o que permite maior agilidade na formação, com possibilidade de rápida inserção no mercado de trabalho. Porém, a oferta mineira, além de ser pioneira, habilita também o Braillista, um diferencial de formação.
Tanto em Santa Catarina, como em diversas partes do país, há diversos grupos de profissionais, no qual me incluo, que estão estudando as línguas de sinais e que buscam compreendê-las, em toda sua essência, e contribuir para as discussões científicas em torno do tema, para o reconhecimento acadêmico da área. Observa-se um crescente número de produções acadêmico-científicas, resultantes de projetos de pesquisas, um deles, inclusive, que projetou Minas no cenário nacional, o Diciolibras, com o Prêmio Jovem Cientista, em 2008, e que propôs a criação de sinais na área de Filosofia. Esse projeto está em continuidade e, em breve, irá apresentar sinais para a área Biológica.
Dessa forma, entre erros e acertos, estamos trilhando árduos caminhos, inclusive de aceitação, quebrando paradigmas e renovando nossas propostas curriculares, visando à adequada formação do profissional intérprete de Libras e do Braillista. Nosso objetivo é garantir o direto do surdo a uma interpretação de qualidade, com princípios éticos e respeito a sua identidade e sua cultura. É, ainda, garantir o acesso ao conhecimento em sua própria língua, a Libras, e à pessoa cega, em materiais em Braille.
O Decreto 5626, desde 2005, já prevê em seu artigo 21, que “A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos”. Na dimensão da pessoa cega, o Decreto Nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as já citadas Leis Nº 10.048 e 10.098, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, reforça, em seu artigo 6º, o atendimento prioritário e tratamento diferenciado, com pessoal capacitado, para auxiliar as pessoas com deficiência visual. No entanto, são poucos os estados brasileiros cujas instituições públicas e/ou privadas dispõem de cargos para esse profissional.
Esperamos para breve, a aprovação do projeto de lei, de autoria da Deputada Maria do Rosário, que visa regulamentar a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e exige curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa para quem quiser exercer essa profissão. O projeto já foi relatado pelo Senador Cristovam Buarque, com parecer favorável, e colocado em votação em 25/05/2010, mas, infelizmente, apreciação da matéria foi adiada. Essa nova lei, além do reconhecimento profissional, certamente trará mais segurança jurídica a quem exerce tal função. Mas independente dessa aprovação, há Estados como São Paulo que, desde abril deste ano, obriga às repartições públicas, a manutenção, durante todo o horário de funcionamento, no setor de atendimento ao público, um tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Libras. (Projeto de Lei 322/2010).
Certamente, ainda temos muito o que caminhar. E, na verdade, “estaremos, permanentemente, em processo de inclusão”, já afirmou um grande sábio. Precisamos é nos desvencilharmos dessa falsa postura paternalista que não conduz as pessoas com deficiência à autonomia. Devemos reconhecer suas capacidades e limitações, como todos nós as temos, e lhes possibilitar o devido acesso a um ensino de qualidade e a uma prestação de serviços competente.
Denise Queiroz Novaes - Professora universitária, Doutora em Língua Portuguesa e Linguística.

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