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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Avaliação escolar e políticas públicas de Educação para os alunos não ouvintes

Avaliação escolar e políticas públicas de Educação para os alunos não ouvintes
Fernando C. Capovilla
Instituto de Psicologia, USP, Coordenador Pandesb filiado ao Observatório da Educação Inep-Capes
O aperfeiçoamento de políticas públicas em Educação depende da avaliação de seus efeitos sobre o desenvolvimento acadêmico e o rendimento escolar. Apesar de vir publicando relatórios bienais sobre o rendimento do alunado brasileiro desde 1995 no Saeb e, depois, na Prova Brasil, o Inep tem excluído a avaliação sistemática da Educação Especial, deixando a criança com deficiência à margem do processo e de seus benefícios. A Educação de Surdos não foge à regra: nunca foi avaliada qualquer escola para surdos, nem avaliado qualquer aluno surdo assim identificado em regime de inclusão.
A ausência de caselas identificadoras de presença de deficiência e de seu tipo no Saeb e na Prova Brasil impede a constituição de base de dados sobre rendimento, inviabilizando a avaliação sistemática dos resultados de políticas que têm tido forte impacto sobre as vidas das crianças, como a de desativação de escolas específicas para surdos e a dispersão desses alunos em escolas comuns, quase nunca preparadas para inclusão ou mainstreaming eficaz.
Para ajuizar o efeito dessas políticas, o Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb) foi inaugurado na USP em 1999 com apoio de CNPq, Capes e Seesp, e encampado pelo Inep via Observatório da Educação em 2006. Na década 1999-2009, o Pandesb gerou bateria de 15 testes para mapear desenvolvimento de competências cognitivas e linguísticas cruciais ao rendimento escolar do surdo, e avaliou sistematicamente, durante 18 horas por aluno, mais de 8.000 surdos de 15 estados, de 1a. série do Ensino Fundamental até o Ensino Superior. O Pandesb produziu os parâmetros basais de desenvolvimento normal para cada série escolar numa série de competências como leitura alfabética (Capovilla & Capovilla, 2006; Capovilla, Capovilla, Mazza, Ameni, & Neves, 2006; Capovilla, Capovilla, Viggiano, Mauricio, Bidá, 2005; Capovilla & Mazza, 2008; Capovilla, Mazza, Ameni, Neves, & Capovilla, 2006; Capovilla & Raphael, 2004a, 2005b), leitura de textos (Capovilla & Raphael, 2005a), escrita alfabética (Capovilla & Ameni, 2008), leitura orofacial (Capovilla, Sousa-Sousa, Ameni, & Neves, 2008), e compreensão de sinais de Libras (Capovilla, Capovilla, Viggiano, & Bidá, 2004; Capovilla & Raphael, 2004b), e analisou sistematicamente a variação desses parâmetros como função das políticas.
Analisando os parâmetros como função da interação entre variáveis do educando, como grau (profunda, severa, moderada, leve) e idade de perda auditiva (pré-lingual, perilingual, pós-lingual) e variáveis do sistema de ensino, como tipo de escola (específica para surdos versus comum) e língua-veículo de ensino-aprendizagem (Libras e Português versus Português apenas), o
Panbesb descobriu que a política de inclusão, embora benéfica ao deficiente auditivo, é nociva ao surdo, e que este se desenvolve mais e melhor em escolas específicas para surdos no caldo de cultura de Libras, e sob ensino e acompanhamento de professores proficientes em Libras, como veículo principal de ensino-aprendizagem do Português e de outras disciplinas.
Tal achado decorre da diferença crucial entre alunos surdos (cuja língua materna é Libras) e com eficiência auditiva (cuja língua materna é Português), e é ainda mais relevante quando se sabe que a quase totalidade dos alunos das escolas que vêm sendo desativadas é de alunos surdos, e não deficientes auditivos, pois que estes já vinham sendo incluídos normalmente, dada sua maior facilidade de alfabetizar-se e incluir-se por leitura orofacial e leitura-escrita alfabéticas. A desativação das escolas para surdos é desserviço, já que a criança surda aprende mais e melhor nelas.
Uma década de Pandesb revelou que o melhor modelo de Educação de Surdos consiste na articulação, em contra-turno, entre educação principal ministrada em Libras e Português escrito na escola específica para surdos (em presença de colegas surdos e sob professor fluente em Libras) e educação complementar sob inclusão na escola comum. Mais detalhes em Capovilla (2008).
Referências
Capovilla, F. C. (2008). Principais achados e implicações do maior programa do mundo em avaliação do desenvolvimento de competências linguísticas de surdos. Em: A. L. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 151-164.
Capovilla, F., & Ameni, R. (2008). Compreendendo fenômenos de pensamento, leitura e escrita à mão livre no surdo. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 195-206.
Capovilla, F., & Capovilla, A. (2006). Leitura de estudantes surdos: desenvolvimento e peculiaridades em relação à de ouvintes. Educação Temática Digital, 7(2), 217-227.
Capovilla, F., Capovilla, A., Mazza, C., Ameni, R., & Neves, M. (2006). Quando alunos surdos escolhem palavras escritas para nomear figuras: Paralexias ortográficas, semânticas e quirêmicas. Revista Brasileira de Educação Especial, 12, 203-220.
Capovilla, F., Capovilla, A., Viggiano, K., & Bidá, M. (2004). Avaliando compreensão de sinais da Libras em escolares surdos do ensino fundamental. Interação, 8(2), 159-169.
Capovilla, F., Capovilla, A., Viggiano, K., Mauricio, A. C., & Bidá, M. (2005). Processos logográficos, alfabéticos e lexicais na leitura silenciosa por surdos e ouvintes. Estudos de Psicologia, 10(1),15-23.
Capovilla, F., & Mazza, C. (2008). Nomeação de sinais da Libras por escolha de palavras: paragrafias quirêmicas, semânticas e ortográficas por surdos do Ensino Fundamental ao Ensino Superior. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 179-194.
Capovilla, F., Mazza, C. Z., Ameni, R., Neves, M., & Capovilla, A. (2006). Quando surdos nomeiam figuras: Processos quirêmicos, semânticos e ortográficos. Perspectiva, 24, 153-175.
Capovilla, F., & Raphael, W. (2004a). Enciclopédia da Libras, Vol. 1: Sinais de Educação; e como avaliar competência de leitura. São Paulo, SP: Edusp.
Capovilla, F., & Raphael, W. (2004b). Enciclopédia da Libras, Vol. 2: Sinais de Artes e cultura, esportes e lazer; e como avaliar compreensão de sinais. São Paulo, SP: Edusp.
Capovilla, F., & Raphael, W. (2005a). Enciclopédia da Libras, Vol. 3: Sinais de Vida em família, relações familiares e casa; e como avaliar compreensão de leitura de sentenças. São Paulo, SP: Edusp.
Capovilla, F., & Raphael, W. (2005b). Enciclopédia da Libras, Vol. 4: Comunicação, eventos e religião; e como avaliar nomeação de figuras. São Paulo, SP: Edusp.
Capovilla, F., Sousa-Sousa, C., Ameni, R., & Neves, M. (2008). Avaliando a habilidade de leitura orofacial em surdos do ensino fundamental. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 207-220.
Apoio: Inep, Capes, CNPq.

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